16.10.10

Capitulo 4: Quando as Luzes Morrem

Novamente, Cristiane começa a chutar o vidro reforçado tentando acertar Davis. Fernanda já presumia que aquele vidro era inquebrável, mas a morena não era tão racional assim naquele momento. O negociador fora-da-lei olhava e esperava a morena se acalmar. Khazarin arqueava novamente sua sobrancelha indicando estranheza, mas entendendo perfeitamente a reação da moça exaltada, se não fosse tão controlada, já teria tido esse surto e outros mais. E Matheus ria enquanto dirigia.

A exaltada bióloga deixa o cansaço chegar e com ele um pouco de racionalidade vir à tona novamente. E se recostava na lateral da viatura, já com a frustração de sempre. Olhando a amiga que a reprovava fazendo “tsc, tsc, tsc”.

- Fala o que você quer?! – dizia rispidamente a arqueira.

- Assim, sem jantar e nem flores?! Que tipo de homem você acha que eu sou? – Davis ironizava e bebia seu café.

- Do tipo que ferra a vida das pessoas. Desde que você cruzou a minha vida, só tem acontecido merda. – A morena batia na janela com raiva.

- O que eu já falei? Xingar é feio e causa rugas, não quer manter essa carinha esticada por mais tempo? – Davis tomava mais um gole de seu enorme café. – Mas você tem razão e peço desculpas. Eu mesmo não esperava que a “Donzela de Ferro” agisse tão rápido. Tanto que eu mandei a Lucy para tirar vocês de lá, e viemos buscar vocês pessoalmente.

Matheus acenava para trás pelo retrovisor e Khazarin soltava um suspiro de revolta, já que ela não estava ali por livre e espontânea vontade. Estava porque era a parceira policial de Matheus.

- Tá, agora me responde uma coisa. – Fernanda tomava a palavra. – Como eu não me lembro de ter chegado na casa da Cris, hein?!

- Simples, eu dopei vocês. – Davis sorria novamente.

Todas as mulheres do veículo estavam chocadas, Matheus fazia uma cara de “ele fez de novo” e ria ainda mais da situação.

- Não me olhem assim, vocês nunca me diriam onde moravam e não iriam dormir normalmente depois do que aconteceu. Então falei que o que dei para vocês era para luxação muscular, na verdade eram calmantes. – Por muito pouco a morena não teve seus surtos de raiva, se não soubesse que o vidro era blindado. – Não sei do que reclamam, já que eu deixei vocês em casa dormindo direitinho.

- Claro, deixando a casa toda suja com as suas pegadas. – dizia Cristiane.

- Pensa que é fácil para mim, carregar quatro bolsas e duas pessoas fazendo silêncio para ninguém me ver. E ainda queria que eu limpasse os pés. Só se eu fosse o Matheus. – O motorista acenava como se falasse que era ele.

- Tá bem, e pra onde vai nos levar agora? – perguntava Fernanda. – No manicômio?

- Só se for pra visitar a família do Nathan. Ops, agora Davis. Vai ser difícil eu decorar esse nome. – Matheus parecia não gostar do novo nome do amigo.

- Bah! Toca pro meu QG, não durmo desde anteontem. – dizia Davis.

- Somos dois! – dizia Matheus. – E aquela gostosa da Soraya? Se eu não me engano hoje ela não está lá?!

- Está lá, sim. E você sabe que eu não gosto que você fale assim dela. – Matheus fecha a cara, sabendo que disse algo inapropriado.

Khazarin, Cristiane e Fernanda sentem que a tal de Soraya era importante demais para ele, mas apenas a morena morde o lábio como se tentasse impedir-se de falar algo.

Enquanto isso, a 25 – Beatrix se dirigia a casa de Davis\Nathan.


A 25-Beatrix chegava ao bairro Olavo Bilac, uma área em decadência com certo glamour colonial e declínio urbano. Paravam em um estacionamento isolado que pertencia a um prédio de três andares, bastante envelhecido com um ar respeitoso de ancião. O estacionamento era mais um playground com balanços, gangorras e brinquedos normais encontrados nos bairros mais afastados de Andaluzia.

Cristiane e Fernanda viam a viatura abrindo e o enorme policial do lado de fora, a luz do sol batia em seus olhos agredindo-os. Matheus virava-as com gentileza, para que não machucassem o pulso enquanto abria as algemas. Khazarin olhava em sua volta e sentia um ar nostálgico como se naquele prédio, o tempo andasse mais devagar. Como passos de uma pessoa recém-acordada. E Davis ia em direção a porta puxando um molho de chaves que fazia um barulho caseiro, como um pai chegando a casa.

As amigas andaluzienses olhavam em volta e não acreditavam que existia tal lugar, parecia algum local de comerciais ou de filmes americanos. Era lindo e calmo, uma coisa que a cidade não oferecia e mesmo com aquele lugar de decadência, todos os quatro gostariam de criar os filhos ali. Fernanda procurava ângulos e já imaginava alguns comerciais para rodar no local. Enquanto Cristiane olhava procurando o moreno de cabelos cacheados.

- Onde está o cretino do Davis? – Olhava em volta e não achava o vigarista.

- Deve ter ido lá dentro desativar os alarmes. A casa dele é digna de um cofre de banco. – Dizia Matheus, enquanto pegava um pano dentro do carro para limpar os dejetos em pontos da viatura. – Tem tantas câmeras aqui que é impossível ter ponto cego. E recomendo que não usem o banheiro.

- Por quê? – A ruiva saia de seus devaneios fotográficos pela palavra “câmeras” citada.

- Simples, porque tem câmeras lá também. Como diria Nathan: “tem que ter muita coragem ou muito desapego”. – Matheus ria.

Khazarin arqueava a sobrancelha indicando estranheza, pois ela pensou em usar o banheiro, mas ao que parece ela teria que usar algum outro. Perguntava-se até quando sua bexiga iria aguentar.

- Paranóico, é isso que ele é! – dizia a fotógrafa freelancer.

- Depois de sofrer alguns atentados, você fica assim. – Matheus dizendo tais palavras parecia mais sombrio. – Mas isso não é uma coisa que se comente...

- Agora termine! – A arqueira parecia interessada.

- Há essa hora o Nathan deve ter desligado os alarmes, vamos! – Matheus andava levando suas duas calibre 12, uma em cada mão.

Ambas as amigas fizeram como que seguissem para fazê-lo falar, porém as mãos da parceira policial as detiveram, pressionando seus ombros, um de cada amiga. Ao olhar, a morena e a ruiva, percebem a reprovação no rosto da loira.

- Acham mesmo que podem fazer um cara daquele tamanho falar o que não quer? – Khazarin era enfática e racional demais.

As duas amigas pensaram novamente no rumo de suas ações e nas possíveis probabilidades do que aquilo iria resultar.


Os quatro andavam pelos corredores, Matheus mais à frente andava sem ao menos reparar os corredores. Já as mulheres olhavam tudo em volta, um lugar de um marrom extremamente escuro, com um piso de madeira o qual rangia levemente a cada passo que eles davam. Quase um cenário de paz ou de terror, mas ainda assim era bonito, com o mesmo ar colonial que havia por fora do prédio. As escadas também eram de madeira, quase tudo naquele ambiente era de madeira ou mármore.

Subiam até o terceiro andar, o piso mudava para um preto e branco, como um tabuleiro de xadrez. E apenas com uma porta de madeira sólida, com alguns guarda-chuvas do lado de fora. Matheus toca a campanhia, que não parecia fazer barulho lá dentro. Fernanda e Cristiane imaginavam o que estaria atrás daquela porta, ambas pensavam que era uma versão residencial de Cnossos. E Khazarin pensava como pedir para ir ao banheiro nos vizinhos sem abandonar suas armas.

E a porta era aberta e uma menina de 16 anos, cabelos castanhos claro presos e com um macacão, suada parecendo bem constrangida por aparecer assim. E abria um sorriso para Matheus, e pulava para agarrá-lo no pescoço.

- Que saudade de você! Nunca mais apareceu! – dizia a menina, ela tinha um sotaque em espanhol.

- Cuidando bem do nosso encrenqueiro? – Perguntava Matheus.

- Até que sim, na medida do possível. – Matheus a descia de seu pescoço, e ela lembrava imediatamente das outras pessoas. – Desculpe, entrem, por favor, o... o... – A menina não sabia como falar do dono da casa.

- Davis agora! – Matheus respondia.

- Isso, o Davis! Ele avisou que chegariam visitas, não olhem a bagunça, fiz o melhor que pude, geralmente não vem muita gente aqui para visitá-lo. – Sorria como se fosse a dona da casa. – Entrem.

Matheus entrava deixando já as armas em um canto e se jogava no sofá o qual cabia ele perfeitamente. Khazarin ultrapassava as duas amigas estáticas, pensando em como era nova a “Sra. Davis”, que era do tamanho de Fernanda. Cristiane engolia a seco a informação e colocava seu sorriso mais forçado e entrava, junto com sua amiga.

Era um escritório digno de um grande executivo, dois sofás de espera, cadeiras de escritório, uma mesa menor com um computador de última geração, uma TV de plasma grudada em uma das paredes exibindo quadros famosos em seu standy-by. E outra mesa, gigantesca, cheia de papéis.

- Esse escritório é melhor que o do editor-chefe do Pauta Livre News! – Fernanda dizia boquiaberta.

- É como o... Davis! É como o Davis diz: “o barato às vezes sai caro”. Pelo menos ele tem bom gosto! – sorria a menina.

- Até parece que não o ajudamos com isso, não é?! – Matheus dizia quase cochilando no sofá de couro.

- Tem mesmo câmeras no banheiro? – perguntava Khazarin à menina.

- Ter até tem, mas a do banheiro eu tenho o costume de desligar quando ele não está aqui. Só mesmo o Matheus vai ao banheiro com ela ligada. – Sorria abrindo uma porta apenas identificável pela maçaneta, pois era idêntica o resto da parede.

- Obrigada. – dizendo a Khazarin se dirigindo ao banheiro.

- E vocês, moças? Querem alguma coisa? Travis me disse que vocês estariam com fome. Só tem uns sanduíches com refrigerantes, até porque alguém não para almoçar aqui. – A menina era solícita demais, por mais que elas quisessem dizer não, seus estômagos roncavam. – Já vou trazer.

- Ei, cadê o Davis? – perguntava a morena.

- Ah é, tenho que avisar pra ele que vocês chegaram, que cabeça. – pegando o celular e apertando um botão e logo após entrava para a cozinha.

Ambas as amigas se perguntavam que alarme era esse.

- É a sindica do prédio, ela é melhor que qualquer alarme ou cão de guarda. – dizia o sargento virando para a parede.

Davis chegava logo em seguida, deixando o blazer no cabideiro. E sentava em frente ao computador sem falar com ninguém, e batia a cabeça na mesa com peso. Estava cansado demais, estava com sono e queria o café que o levaria à overdose. Precisava dormir.

- O que vocês estão fazendo aí em pé? – perguntava o vigarista. – Vão ficar com varizes logo, logo!

Ambas sentam imediatamente, nas cadeiras na frente de Davis.

- Primeiramente, mil desculpas por tudo que fiz vocês passarem. Juro que minhas intenções são as melhores, mas todo mundo que se envolve comigo, acaba com sérios problemas. – dizia Davis com um sério pesar, como se dezenas de pensamentos desagradáveis entrassem naquele momento durante a última frase. – Como pedido de desculpas, havia conversado com um amigo meu para conseguir uns equipamentos melhorados. Consegui uns conjuntos de lentes melhores para você minha cara gnoma. E para a laranja girl um conjunto de flechas.

O vigarista descia as duas bolsas na mesa, uma para cada uma, bolsas pretas de lixo. Ao verificarem encontravam lentes DX 18-55mm, Olho-de-peixe 16mm, Tele 85mm e flechas de carbono com alumínio, coisas complicadas que não se acham em qualquer shopping, apenas com os melhores do ramo. Estavam embasbacadas com os itens, até que a arqueira se lembra do que foi chamada.

- Como assim, “laranja girl”?! – dizia ela enfezada.

- Você sabe, mas fica entre nós três! – sorria sarcasticamente para as duas amigas. – Vou descansar.

Saia de sua mesa bocejando em direção a uma porta que só era vista quando prestando bastante atenção. E Davis fechava a porta imediatamente, com força para ter sua privacidade. Senão fossem os presentes que receberam, teriam saído dali, e também não saiam porque não faziam a mínima idéia de onde estavam.

A menina entrava com sanduíches e refrigerantes ao mesmo tempo em que Khazarin saia do banheiro. E apenas encontravam a fotógrafa tentando acalmar a amiga, que parecia a beira de mais um surto psicótico.

- Tô vendo que você gosta mesmo do... hamn... – A jovem tentava lembrar-se do nome.

- Davis?! – dizia Khazarin, que sentava-se próxima ao sofá posição de lótus e fechava os olhos.

- Seu marido é tão irritante! – dizia Cristiane irritada.

A menina olha chocada para a morena, mas era uma coisa presa também nas gargantas de Fernanda e Khazarin. Por um momento que parecia uma eternidade. Todas as três encarando a jovem, quase a intimidando e a mesma sem saber o que dizer. Até que Matheus cai do sofá do qual repousava.

- Suas loucas! Acham mesmo que a Soraya tem tamanho mau-gosto pra gostar do Nathan?! – dizia Matheus explodindo em uma gargalhada convulsória. – Soraya é praticamente filha do Nathan, espero que ele não tenha ouvido isso, senão vai haver distribuição de “tiro na rótula” por aqui! – Volta a subir no sofá e deita-se.

Khazarin apenas continua em posição de meditação, de olhos fechados e cabeça baixa. Enquanto as duas amigas estavam sem saber o que falar por ter pensado tão mal da jovem.

- Comam, pelo o que o Ivis me contou, vocês devem estar com fome. – Soraya sorria e arrumava as gavetas da mesa do Vigarista.

- Você quis dizer, Davis. Né?! – dizia Matheus virado de costas para elas.

- Isso! Davis!


Julio e André estavam em um trailer-lanchonete conhecido como “o cachorro-quente do Russo”, conhecido pela higiene de clássico “podrão”, mais por seus enormes lanches e preços baratos. André detestava aquilo, confiava mais em qualquer produto de microondas. Julio estava deitado e entediado no banco, enquanto o próprio André estava lendo a uma velocidade assustadora os relatórios da perícia da morte de Yasmin Santoro.

Tudo indicava que era suicídio, menos alguns padrões. Havia explicação demais, a porta arrebentada, os passos das meias do pé tamanho 36. Todas as variáveis da equação estavam certas, a menos que elas sejam falsas. O “nerd forense” tentava explicar isso já havia um bom tempo para seu companheiro, mas era inútil.

E Julio sabia no seu intimo que a Yasmin nunca iria se matar, estava preste a casar-se com Hugo. Ia abandonar os “Infiltrados” para formar uma família, os legistas vão dar o laudo deles em três dias, seria uma semana, mas como o nome do Michael C. Hall foi citado, tudo acelerou. Ainda sim, era estranho tudo o que acontecia em Andaluzia.

- Acha mesmo que ela se matou? – Perguntava Julio devorando um cachorro-quente de 30 cm.

- Sabe que eu não acho nada. Apenas leio os fatos, e eles dizem que parece um suicido, mas sem vontade. O caso 0983567/34B mostrou aspectos similares a esse caso, que parecia um suicido e não era. Estou forçando o máximo para não alegar suicídio sem distorcer ou ignorar os fatos. Sou um policial forense e não um advogado. – André não tirava os olhos de seu laptop de ultima geração.

- Pois é, magrela. Cada um com seus problemas, no Japão dizem que existem monstros dimensionais, no oriente médio eles lutam por religião, enquanto nós temos esses mutantes gosmentos assassinos de policiais e pessoas de bem. – Julio devorava mais uma vez o cachorro-quente com vontade. – Acho que Deus anda mandando essas coisas para nós apenas para nos testar. Sabe, como um purgatório, para ver realmente quem é bom e quem é ruim. Pelo menos é o que meu pastor diz pra mim.

- Sabe o que eu acho de religião. Muita teoria, poucas\nenhuma prova. Fé não vale em nenhum julgamento em Andaluzia. Fé não prova nada, é apenas um amaciante para alma. Uma maneira de você não mudar a sua realidade com esperança de ser recompensado por sua inércia. – André falava com uma equação matemática.

- Como assim? Fé talvez seja a única coisa que nos deixe vivos, cada coisa que você chama de improvável e impossível, é Deus agindo por meio de sua vontade misteriosa. Deus é um pai que exige respeito. Deus é justo com cada um, e ele julga por sua vida e seus atos. Como sua ciência explica o chute que começou a vida ou mesmo o universo. Hein?! – indagava Julio.

- Foi a morte de uma estrela que resultou em um chute inicial da vida na Terra. – André dizia metodicamente.

- E quem você acha que fez isso? – Julio queria tirar a palavra Deus da boca de André ou no mínimo deixar ele sem resposta.

- A morte de uma estrela. – André ajeitava seus óculos.

- E quem acha que matou essa estrela?

- Seu longo tempo de vida e sua massa crítica. – dizia André ainda pesquisando casos similares ou mesmo. – Religião é cega sem ciência.

- E ciência é manca sem religião. – Completava Julio a frase.

E ambos explodiam em uma gargalhada, os dois não se levavam a sério. Era melhor assim, atritos iam apenas transformar a convivência em um verdadeiro inferno. Por mais que Julio acreditasse em Deus, nunca teve certeza. André era Ateu, mas ele não explicava coincidências tão improváveis. Chegava apenas a um ponto aceitável de discordância.

E Julio percebia que a televisão havia sido desligada...


As duas acabavam de se alimentar com os sanduíches bem feitos por Soraya, a qual passava o lustra móveis pelas prateleiras da casa. Khazarin já havia comido também, o sanduíche e um copo d’água. A mais jovem começava a catar a louça para lavar e Cristiane se coloca imediatamente para ajudá-la. A menina olha agradecida e ambas vão para a cozinha, enquanto Matheus dormia, Khazarin meditava e Fernanda observava e calibrava seus novos presentes.

As duas em uma cozinha estreita, que se não fosse pela juventude de Soraya e pela esguies de Andallas, pouco se moveriam naquele cômodo. A morena lavava, enquanto a latina secava e colocava as louças em seus devidos lugares. Cristiane estava meio constrangida, mas Soraya estava alegremente cantarolando alguma música.

- Er... Você é o que do Davis? – Andallas perguntava direta como uma flecha, ela mesma não gostava de rodeios e nem sabia fazê-los.

- Estou mais pra enteada do que para amante. – sorria em um sotaque espanhol. – Minha família foi deportada por um idiota, e eu fiquei porque nasci no Brasil. Só que minha mãe teve um ataque cardíaco e morreu na Colômbia, ainda dói. Fiquei sozinha e o... Davis! O Davis me empregou como sua “mordoma”.

- Governanta, quer dizer?!

- Não. Mordoma mesmo! Ele prefere esse nome, e vira e mexe, eu apareço aqui para limpar, minha casa é no primeiro andar, mas aqui fica tão solitário e com tanta coisa que eu acabo vindo pra cá. E sempre faço compras e faço café para ele. Apesar dele gostar de café velho e brigar comigo por jogá-lo fora mesmo sendo de cinco dias. Ele gosta de um café novo. – Soraya era metódica ao falar de seu patrão. – Gosto dele como a um pai, apesar de cuidar dele como um irmão mais novo.

- Uau. – A morena não esperava aquela explicação. O vigarista que a salvou teve um surto heróico, mas ele talvez, não fosse tão vigarista assim. E ela ainda sim se enganava, no fundo, algo gritava que ele era uma pessoa boa. – E você só trabalha para ele?

- Estudo, vou terminar o terceiro ano esse ano. E faço um monte de cursos, se eu não estudar ele disse que vai transformar a minha vida em um verdadeiro inferno. – Bufava divertidamente. – Mas com o que eu faço aqui, acho que ele não viveria sem mim. Se bem que eu ainda acho que ele deveria achar uma boa mulher, mas quem iria aturar ele? Teria que ter muita personalidade e ainda saber o nome dele. O que é bem difícil...

- E qual é o nome dele?

- Sinceramente, não sei. Ele era Ian quando eu o conheci, minha mãe chamava-o assim. Então pra mim ele é Ian. – Soraya sorria. – Mas como ele diz: “uma rosa não vai parar de cheirar como uma rosa se chamá-la de margarida”.

-Você fala que nem ele. – Cristiane se assustava.

- Jura?!

E houve um apagão...


Jonas Moraes, mais conhecido como Johnny Maluco, ninguém sabia o que ele era, se sempre foi um morador das ruas de Andaluzia, ou se já foi um jovem promissor. Tudo que se sabia era que ele sabia demais. Talvez, um dos maiores traficantes de informações freelancer da cidade. Ele acordava com uma dor de cabeça imensa, não era da sua dependência de drogas, era pior, como só dor que não proporcionou nenhum prazer. Só lembrava daquela loira espetacular.

Quando realmente sua consciência retomou o normal, via na situação que estava metido. Havia um plástico opaco em sua volta como uma tenda, mas não só a tenda, o chão também, cuidadosamente grampeado, praticamente hermeticamente fechado, com apenas uma lâmpada acima da sua cabeça. Ao olhar para si mesmo, estava em situação pior.

Totalmente enrolado em papel celofane, de um jeito que seu esforço para sair era inútil. Era no mínimo perturbador, amedrontador. E ao fundo, uma pessoa com olhos verdes e com uma roupa de metalúrgico, vendo uma revista masculina de alguma pseudo-celebridade de corpo perfeito, muito photoshop e alguns esteróides.

- Olá, amiguinho. – Fechava a revista e respirava fundo e dizia em uma voz alegre e festeira. – Hora de pagar pelo que você fez.

- Eu não fiz nada. Sou inocente! – gritava Jonas tentando se livrar das amarradas.

- Ninguém é inocente, nem eu e nem você. – Pegava um cutelo de um dos bolsos. – O que nos diferencia é quem está na mesa e quem está com o cutelo.

- Eu não fiz nada! – Jonas começava a chorar e não conseguia sair.

- Fez sim, ou pelo menos sabe. E por sua causa alguém foi assassinado e todos pensam que foi suicídio. – Olhava para o cutelo avaliando-o para saber se era o necessário para a função que o instrumento iria se prestar. Apavorando mais ainda Jonas que tentava sair com toda força, mas estava preso demais.

- Eu não fiz nada, juro, só sou um traficante. Só! – Jonas tentava negociar com aquele psicopata.

- Um traficante que praticamente matou alguém no mínimo é cúmplice, e no máximo é o próprio assassino. – Deixava o cutelo de lado e colocava uma toalha por cima da genitália dele que alivia um pouco sua condição... Até que o psicopata retoma o cutelo e prepara para cortar o órgão de Jonas, expondo-o por uma fenda. – Antes de fazer perguntas vou cortar isso, por que me incomoda demais, por isso que eu prefiro mulheres.

Ele não sentia nada, mas sabia que seu órgão sexual estava sendo puxado, pois sentia a região sendo esticada. E gritava em desespero, dizendo que não era para ele fazer isso. Mas o facínora apenas assobiava divertidamente, ele não podia ver e nem sentir direito, talvez fosse o efeito das drogas, talvez estivesse anestesiado, ou o desespero evitava a dor. Mas o simples fato da mente imaginar, gerava uma dor psicológica de mesma intensidade ou talvez maior.

Uma enorme quantidade de sangue saia da região pélvica de Jonas e o açougueiro continuava assobiando alegremente, e arrancou a última parte com força para retirar o pênis de sua vítima que chorava copiosamente e desesperadamente por perder o que ele achava que lhe fazia homem.

O homem jogava o órgão de “Johnny” em uma bacia com gelo que estava colocada ali por perto.

- Bem, agora que não me sinto assim tão desconfortável podemos conversar! Quem matou Yasmin Santoro? – dizia com um cutelo na mão e com muito sangue nas luvas e na roupa.

- Eu não sei... – Soluçando copiosamente.

- Olha, ainda tem jeito de costurar “seu amigo”, se ele for conservado em gelo, mas se você não me falar, eu juro que faço ele refogado ao alho e óleo e faço você comer, pra depois arrancar seus dedos, um por um, e depois deixo a minha criatividade agir, e eu me empolgo fácil. – dizia com um sorriso quase que satânico.

- Só me perguntaram onde ela morava, fui saber que o nome da Rita era Yasmin no jornal. Me perguntaram pelo tal do Nathan e o Matheus, só foi isso, só! Juro! Eu só dou informações em troca de informações. – Chorava como nunca, mesmo quando sua mãe e seu pai morreram, ele não havia chorado tanto.

- Só isso?

- Só! Juro por Deus.

O torturador se aproxima da vítima e ataca com um soco e ao mesmo tempo a luz apaga totalmente.

- Adorei o drama, Gabi! – Gritava Leandro. – Agora ligue a luz, esse escuro tá me assustando!

- Não fui eu, pensei que foi você! – Gritava Gabi no escuro.

- Fudeu! – Concluía Leandro.



O Palácio Isabel é a sede do poder Executivo e Legislativo de Andaluzia. Por uma decisão antiga e da fundação da cidade, a Câmara dos Vereadores e a Prefeitura eram na mesma unidade física. Lar do Conde de Orleans feito por puro capricho em homenagem a princesa Isabel. O que não é muito diferente do que é hoje. Um lugar feito para preencher os caprichos das minorias dominantes.

Os mais humildes e com menos conhecimento de política diziam que poderiam jogar uma bomba na sede do poder Executivo e Legislativo que não faria falta em Andaluzia, muito pelo contrário, diziam que a cidade seria um lugar melhor. O que na verdade, não era bem assim.

Graças aos “pseudo-criminosos” Andaluzia não era o caos, pois eles é que mediavam o mercado negro, os crimes, e ainda demarcavam território dos criminosos suburbanos. Por mais que os intelectuais de Andaluzia, como professores universitários, religiosos, dentre outros discordassem. Apenas criminosos controlam criminosos. Grande parte deles não eram gênios legisladores, não eram estudiosos, sociólogos. Eram carismáticos, e cheios de contatos, por causa deles é que não explodiam guerras civis dentro de Andaluzia, por causa deles vivemos com medo e não mortos.

O Palácio Isabel era de uma arquitetura colonial, enormes salas, enormes corredores, quase uma réplica do palácio da família Real. Mas aquele sábado era diferente dos outros dias da semana. A família do Governador Alencar, viria para almoçar junto com a família do Prefeito Berger. E assim, como as famílias reais, tinham suas próprias comitivas, secretários, gente que estavam ali por chantagem ou conveniência. Eram somadas, praticamente vinte pessoas as duas famílias, sendo que as famílias Alencar e Berger não eram mais que oito pessoas realmente.

Por mais que todas estivessem com identificação, os seguranças não conseguiam conter que um casal depravado começasse a se pegar no banheiro ou em qualquer outro cômodo. Na verdade, os seguranças que ficavam operando as câmeras chamavam de “cine privê ao vivo”. Todos vestidos sobriamente, era difícil reconhecer quem era quem, a não ser o Prefeito e o Governador.

As câmeras tinham pequenos pontos cegos durante as trocas de visualização, mas eram momentos de segundos insuficientes para alguém passar despercebido. Principalmente a comitiva, e mesmo assim, havia seguranças para todos os lados, em cada curva que eles fizessem ou mesmo que eles pensassem em se perder, um deles estaria lá. Se ao menos o governo investisse tanto assim em segurança na noite de Andaluzia. Talvez essa fosse uma boa cidade para se viver.

E no momento que a comitiva Alencar e a comitiva Berger se encontraram, houve um blackout...

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